quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Crise de negação

O Kwanza, que chegou a ser considerada a pior moeda do mundo, valendo pouco mais do que o papel (para reciclar), estabilizou, após o fim da guerra civil. A paz e um ciclo de valorização do petróleo permitiram controlar a política monetária e até conseguir uma apreciação do Kwanza, que se manteve estável, mesmo no auge da crise financeira mundial, em 2008: tinha, por esses anos, atingido o seu máximo histórico de 75 por dólar americano. Isso foi conseguido graças a um estrito controlo da circulação monetária: a óbvia falta de confiança na economia do país (e claro, no valor da sua moeda) sendo suportada por uma política monetária de «credibilização» consistindo, pura e simplesmente, na fixação de um câmbio, um patamar estável, injectando divisas para absorver o «excedente» interno (compras de Kwanzas, em dólares, pelo Banco de Angola).

Ao fazê-lo, a moeda ficou óbvia e inteiramente exposta à cotação do petróleo, fonte quase exclusiva do maná que permitia manter o sistema em funcionamento. A quebra a que assistimos no último trimestre do ano de 2014, no petróleo, esvaziou esses recursos, à disposição do regime. Este, continuou a aplicar as suas reservas, na expectativa de uma recuperação da cotação, que não aconteceu. O ponto de «não retorno» foi atingido em princípios de Dezembro, quando desceu abaixo do custo de produção do país, como assinalei, por essa altura, aqui neste blog. Não apenas a cotação não recuperava, pior, afundava-se para mínimos históricos em décadas. Todas as reservas que o ditador possuía (sim, que não se deve falar propriamente de «Angola», mas do «negócio» familiar em que este a transformou) se esgotaram a um ritmo alucinante (e não são relatórios financeiros muito bem apresentados, com testes de stress e tudo! - mas com metodologias opacas - que o podem camuflar). Evidentemente que o calcanhar de Aquiles do Sistema Financeiro Angolano está nessa «válvula».

A nota de imprensa do Banco de Angola, datada do passado dia 9 de Fevereiro (a que já aqui nos tínhamos referido, como de exercício de «diabolização» do mercado e tentativa de arranjar bodes expiatórios para arcar com as responsabilidades da crise), agora retomada pela VOA para um artigo «inflaccionista», é por isso completamente hipócrita, sendo mais um «enfiar» da carapuça: os bancos angolanos sempre contaram com «o ovo no cu da galinha», ou seja, com um acesso ilimitado às divisas em moeda estrangeira ao câmbio «oficial» (ou artificial?). Esse achatamento cambial (por cima - note-se que a moeda nunca se valorizou «espontaneamente», nem que por breves espaços de tempo) fez o inequívoco sucesso da estabilidade do Kwanza face ao dólar nos últimos dez anos; mas fechar essa torneira tornar-se-ia rapidamente um desastre, como está a acontecer. E não vale a pena tentar tapar o sol com a peneira. Para além da negação dos factos, igualmente hipócrita, neste contexto, é a suposta «liberalização» da actividade cambial, «permitindo» aos bancos comprarem dólares no exterior: sim, mas a troco de quê? Kwanzas?

A realidade está a tratar de esclarecer o Presidente de Angola que a negação não é a melhor forma de lidar com as situações. Quem pela espada vive, pela espada morre. José Eduardo dos Santos abusou do poder que o dinheiro lhe conferia. Agora, na falta dele, terá decerto oportunidade para expiar as suas graves responsabilidades nessa situação. Não se venha queixar dos especuladores, pois estes apenas estão cá para o trazer de volta à realidade (não fossem estes exímios especialistas em dissonância cognitiva).

Sem dinheiro, não há palhaços.

A cotação informal, segundo a insuspeita VOA, já vai nos 180 por 1. A negação apenas vai acelerar a dilatação da bolha. O salto instantâneo, no gráfico do par cambial, será drástico, uma vez que a amplitude entre a realidade e a «versão oficial» está a cavar-se a cada dia que passa. Até onde está José Eduardo dos Santos disposto a prolongar a farsa? Talvez esteja a esticar a corda da paciência dos angolanos. E não são palhaçadas de afirmação pessoal ou patéticos apelos «à unidade» que mudarão o que quer que seja.

Se, há algum tempo atrás, ainda teria sido possível tentar «cavalgar» a onda, aliviando a cotação para poupar os últimos dólares, isso já não é possível e face ao grande estouro que se prepara, resta, ao Banco de Angola, tentar ultrapassar pela esquerda os especuladores, alimentando a sua insaciável voracidade imprimindo «vales» (que só valerão, claro, se o petróleo subir - rapidamente - para cima da fasquia dos $70 por barril), fazendo rolar a impressora (a última «liberdade» que resta ao Kwanza).

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